Friday, March 2, 2012

Helena Vasconcelos: O despertar das mulheres


Tem um romance entre mãos (ainda no início), mas nem sempre sente o apelo da ficção. Prefere antes o prazer da leitura, do estudo e da reunião de peças que, todas juntas, compõem um puzzle, uma visão sobre a Literatura e a História. E é precisamente mais um desses trabalhos de fundo que Helena Vasconcelos nos oferece agora, divulgando as suas reflexões sobre uma temática que a acompanha há anos: o feminismo, o estudo de género, as mulheres. Humilhação e Glória é uma viagem à volta da História da Humanidade, antes contada exclusivamente pelo Homem, aqui observada pelo ponto de vista de quem lutou por conquistar os seus direitos na sociedade. Jornalista e crítica de literária, dinamizadora da Storm Magazine, Helena Vasconcelos é um das mais ativas promotoras da leitura (tem diversas comunidades de leitores no currículo), como esta coletânea de textos, editada pela Quetzal, também mostra.

Jornal de Letras: Diz que este livro é uma narrativa de aventuras. Porquê?
Helena Vasconcelos: Não queria que o livro tivesse uma carga académica, nem que se julgasse que é exaustivo. No fundo, não queria que fosse encarado como um ensaio tradicional. O meu desejo foi contar histórias, integrando-as umas nas outras e assim falar da História da Humanidade a partir da ação e do contributo das mulheres, algo que até há bem pouco tempo era descrito a partir da perspetiva masculina. E uma aventura é também a vontade de estar contra um determinado estado de coisas. Em muitos casos, foi preciso uma coragem quase heróica para desfazer o que há muito estava pre-estabelecido.

E essa aventura pode ser caracterizada pelas duas palavras do título, humilhação e glória?
Sempre houve mulheres que, mesmo em alturas de repressão, conseguiram contrariar o seu estatuto, mas na maior parte dos casos foram ignoradas, o que, por si só, já é uma humilhação. Se não fossem rainhas, ou de igual estirpe, não tinham voz ativa na polis, nem na comunidade. Quando novas, eram objeto de desejo, envelhecendo, perdiam a ‘importância’ que poderiam ter. Digo também glória no sentido em que, a partir de um determinado momento (no espaço e no tempo), houve uma mudança (até relativamente rápida) de paradigma. Apesar de vários incidentes, as mulheres conseguiram ocupar o seu devido lugar na sociedade.

Que critérios usou para selecionar as mulheres referidas nestes estudos?
Não houve, como disse, uma vontade de ser exaustiva. E muitas outras figuras podiam integrar este volume. Entendo-o como uma espécie de teaser, um incentivo a novas investigações nesta área, até porque os estudos de género estão desenvolvidos em Portugal, com abordagens variadas. Nesse sentido, interessou-me colocar as mulheres portuguesas num contexto europeu – e da cultura ocidental –, o que nem sempre é feito.

Nessa comparação, o que se pode concluir?
Que, sobretudo até ao Estado Novo, acompanhámos as tendências do resto da Europa. E que há figuras absolutamente extraordinárias. Não nos podemos esquecer, por exemplo, que Soror Maria Alcoforado (sem querer estar a discutir a sua verdadeira identidade) esteve na origem de muita da literatura do século XVIII, como o género epistolar e a sua recuperação pelos Românticos.

Na emancipação feminina, a literatura e as artes desempenharam um papel importante?
Acho que sim. Pode-se privar uma pessoa de liberdade, fechando-a num espaço, mas tirar-lhe a capacidade criativa, de pensar e escrever é muito mais difícil. É seguramente possível, mas não é simples. E, de facto, as mulheres, nomeadamente a partir do século XVIII, mesmo ficando em casa, começaram (e em alguns casos foram incentivadas a isso) a ocupar-se de áreas que, aos olhos masculinos, não eram chocantes para a condição feminina. Provavelmente, esqueceram-se que a criatividade é sempre subversiva. Assim, através da escrita, da poesia, da pintura e da escultura, foi possível às mulheres mudar o status quo e acordarem do longo sono a que foram condenadas.










Helena Vasconcelos
HUMILHAÇÃO E GLÓRIA
Quetzal, 328 pp, 15,50 euros

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