"Não era tarefa fácil, a de relatar as quarenta últimas semanas. O desafio pareceu-lhe impossível. Tratava-se de uma matéria que se dilatava, resistia, escapava.
Umas vezes pensava que a dominaria melhor decompondo-a em dias ou em meses, outras vezes, em actos, talvez mesmo em cantos como nas epopeias antigas.
Ouvira dizer que seriam precisos quatro dias inteiros para recitar a Ilíada. Talvez bastasse outro tanto para a sua história. Como em qualquer história, devia fazê-la atravessar três fases: imaginá-la sem palavras, vesti-la de palavras, por fim, contá-la aos outros.
Um pressentimento sussurrava-lhe que só seria capaz de cumprir a primeira.
Foi assim que, numa noite de fim de Verão, ele se pôs verdadeiramente a imaginar."
O Acidente, de Ismail Kadaré, uma edição da Quetzal.
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