De início, pensou que seria um daqueles enigmas que os jornais publicavam antigamente, para entreter leitores. Ou uma daquelas lengalengas do século XVIII, que preenchiam amenas e interesseiras conversas entre damas e cavaleiros. Quando percebeu que era mesmo o tema da 1.ª Mesa das Correntes d'Escritas, Eduardo Lourenço pôs-se a pensar. Alinhou algumas ideias, revisitou a obra de vários pensadores e recordou textos que ele próprio escreveu. Mas só esta manhã, ao olhar pela janela do seu quarto, encontrou a melhor imagem para falar sobre o verso de Armando Silva Carvalho, Falta futuro a quem tem no presente ambições passadas: o Mar. E explicou porquê: "O Mar é a concretização de dois mundos. Tem o efémero, na renda de espuma que cada vaga cria, e a essência do tempo, aquele tempo que se converteu em problema e que nos problematiza, no mar propriamente dito".
Seria o tempo a marcar todas as intervenções desta 1.ª mesa, que contou ainda com Aida Gomes, Almeida Faria, Fernando Pinto do Amaral, Maria Teresa Horta e Ricardo Menéndez Salmón. Com um vincado pendor filosófico, os escritores dissertaram sobre as complexas redes que ligam passado, presente e futuro. Para Aida Gomes, no passado muitas vezes se encontra o material para um romance. Ela própria decidiu viver primeiro e só depois se dedicar à escrita, sonho que alimentou desde criança. "Quanto mais vivesse mais passado teria", disse. "E assim mais verdades poderia descobrir ou desmascarar". Ricardo Menéndez Salmón situou-se no mesmo campo, glosando Fernando Pessoa. "O poeta é um fingidor e a literatura um enorme cemitério". Para o escritor espanhol, quando se escreve, o futuro não existe e o presente é apenas o momento em que decorre a escrita. "Ninguém escreve sobre amor quando está enamorado. Ninguém escreve sobre o medo quando está assustado. E ninguém escreve sobre moinhos de vendo quanto está a lutar contra moinhos de vento", atirou. E concluiu: "O escritor é o amo de um cão chamado ontem". Para exemplificar este mesmo ponto de vista, Almeida Faria evocou grandes romances da literatura universal, como Ilusões perdidas, de Balzac, ou Em Busca do Tempo Perdido, de Proust.
Mas houve também outras abordagens e às vezes em sentido contrário. Maria Teresa Horta, lendo aquilo que poderia ser um longo poema, destacou sobretudo o que está para vir. "Convoco o futuro como se quisesse acrescentar vida". E Fernando Pinto do Amaral argumentou que o presente só tem sentido se tiver uma semente de futuro". Por tudo isto, concluiu Eduardo Lourenço, apenas a "arte ou qualquer outra actividade humana é capaz de vencer a morte".
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