Friday, March 23, 2012

FLM: A alegria de crescer



“O importante não é tanto a originalidade, mas que não se deixe de escrever”. Esta foi uma das últimas frases (neste caso de Francisco Fernandes) que se ouviu na 2.ª edição do Festival Literário da Madeira, que decorreu no Funchal entre os dias 15 e 18. E parafraseá-la poderá ser a melhor forma de descrever esta iniciativa dos Booktailors - Consultores Editoriais e da editora Nova Delphi que juntou na ilha 23 escritores de várias nacionalidades: “O importante não é tanto a originalidade, mas que não se deixe de fazer festivais como este”.
Usando o modelo das Correntes d’Escritas, da  Póvoa de Varzim, este encontro tem sabido criar uma marca própria, fazendo uso das potencialidades da Madeira. Estão lá, como nas Correntes, as mesas redondas, as visitas às escolas, os lançamentos de livros e as sessões de poesia. Mas também há uma forte ligação à Universidade da Madeira (o seu reitor foi um dos moderadores e outros professores também estiveram presentes), o confronto com uma região (de maiores dimensões) em que se cruzam várias referências culturais, devido aos fluxos migratórios, e há ainda um estimulante diálogo entre uma comunidade literária madeirense muito ativa e os convidados do continente. A par de Francisco Fernandes, Graça Alves, João Carlos Abreu, José Castanheira da Costa, Paulo Sérgio BEJu e Rui Nepomuceno, que participaram nas sessões, na plateia foram vistos muitos outros escritores madeirenses, como Ana Teresa Pereira ou Teresa Jardim. Num mundo em que tudo parece reinventado (ideia muito discutida no encontro), este Festival aposta tudo na reinvenção. E com bons resultados. Para o ano, a organização, cujos rostos principais são Paulo Ferreira e Francesco Valentini, promete mais escritores, mais autores, mais dias de atividades, debates e visitas a escolas. Talvez assim se perceba por que razão quiseram, este ano, “troikar as voltas à crise”. O lema parece ser, contra a austeridade, marchar, marchar. Com Literatura. 


À semelhança da 1.ª edição, o Festival teve um tema único - o verso de Fernando Pessoa “Éramos felizes e não sabíamos” - que depois se desdobrou em quatro variantes: éramos poors, violentos, piegas e originais. Das intervenções sobressaiu o papel que o escritor/intelectual poderá ter num período de crise como o que o atravessamos (além de livros e escritas, falou-se muito da atual conjuntura económica). “O escritor deve procurar acima de tudo a beleza formal, tratar bem a língua, mas se conseguir ao mesmo tempo dar um contributo para mudar a sociedade cumprirá ainda melhor a sua função”, afirmou Rui Nepomuceno. 
Isso pode passar, sugeriu Júlio Magalhães, falando da sua experiência como jornalista, por uma nova relação com o espaço público. “A televisão domina as pessoas, mas são as pessoas que têm de a dominar. E a literatura tem andado muito afastada do ecrã”, defendeu o escritor e diretor do Porto canal. “É preciso que os escritores estejam disponíveis e saibam usar a televisão”. Na afirmação de um discurso alternativo à ditadura dos números e ao jogo político, o escritor tem a possibilidade de lançar novos olhares sobre o mundo. E de colocar perguntas. Para o chinês Yang Lian, é essa a missão do poeta e, para ilustrar a ideia, lembrou um autor clássico do seu país que num dos seus poemas enumerava justamente 200 perguntas. Na procura de respostas está o início da mudança. 
Uma das novidades deste ano foi a institucionalização de uma conferência de abertura. A estreia coube a Inês Pedrosa, com uma extraordinária intervenção sobre o universo de Agustina Bessa-Luís, intitulada A Ilha Secreta de Agustina. A diretora da Casa Fernando Pessoa citou passagens dos seus livros e entrevistas, lembrou dados biográficos e traços de personalidade, analisou as suas frases e aforismos e isolou as linhas fortes da sua escrita torrencial, numa completa viagem pelos romances e contos da autora de A Corte do Norte, romance cuja ação se passa precisamente na Madeira. “Os livros de Agustina exigem alma, mas não pergaminhos académicos”, afirmou a escritora, em jeito de introdução. “São difíceis, mas podem usar-se como missais inquietantes”. Num texto que o JL publicará numa das suas próximas edições, Inês Pedrosa focou ainda o estilo de Agustina - “de livro para livro a mão torna-se mais leve” - e os temas que privilegiou nas obras, concluindo: “Um ensaio potente sobre Portugal e os portugueses. Uma reflexão lúcida sobre as motivações profundas e as escolhas políticas da Humanidade, pois é sempre de relações humanas que nos fala, do desespero e da alegria do mundo”.


Um arranque sonante que, dada a adesão do público, a qualidade da organização, a versatilidade dos temas, se transformou na nota dominante do encontro. E citando ainda Inês Pedrosa, pode dizer-se que “no Festival Literário da Madeira ouve-se falar em crescer e sonhar e ir mais longe. E isso é muito bom”.

Texto publicado no JL 1082, de 21 de Março de 2012

No comments:

Post a Comment