Quatrocentos anos depois, o drama de Hamlet continua actual: “Ser ou não ser, eis a questão”. Para Julian Treslove, no entanto, a dúvida assume contornos difusos. E inesperados. Ex-funcionário da BBC, homem de muitos sonhos e frustrações, ele sempre teve problemas existenciais, que se agravaram desde que foi assaltado a caminho de casa, numa noite como tantas outras. Agora, uma ideia não lhe sai da cabeça. Ser ou não ser judeu, eis a sua questão. E o seu problema. Porque, como se verá ao correr das páginas deste romance, vencedor do Man Booker Prize 2010, não é judeu quem quer.
A Questão Finkler é, por isso, a questão judaica. Que não haja dúvidas em relação a isso – do Cativeiro na Babilónia ao Holocausto, da Terra Prometida ao Conflito Israelo-Palestiniano, estamos perante temas que já fizeram correr rios de tinta. A sorte do leitor, e o rasgo deste livro, é que Howard Jacobson, com humor e ironia, consegue dar a volta ao texto. É certo que empreendemos uma viagem ao fundo da cultura judaica, mas nunca corremos o risco de naufragar em conceitos, terminologias, glosas e comentários de intricada descodificação. Enunciando os lugares comuns ao mesmo tempo que os ridiculariza, como os irmãos Coen fizeram no filme Um Homem Sério, o escritor inglês subverte as regras para sublinhar aquele que é, afinal, o verdadeiro cerne da questão: a identidade.
Em vez de um manifesto, este é um romance, assente em três personagens muito bem moldadas, sobre o confronto diário com as idiossincrasias que nos caracterizam, sobre a eterna luta entre o ser e o querer ser, a vontade e a concretização. Por mais que tente, Treslove nunca conseguirá ser um judeu, quer seja convicto, como o seu mentor Libor Sevcik, quer seja envergonhado, como o seu amigo e rival Sam Finkler, quer seja ainda tranquilo, como a sua nova amada Juno Hephzibah. E quem diz judeu, diz católico, agnóstico, ateu ou qualquer outra certeza. Não lhe está no sangue, nem no espírito, nem na natureza. Ele pertence à categoria dos inconstantes. Eis a questão.
Texto publicado no Jornal i, a 26 de Março
Com uma lucidez invejável, sem fanatismos religiosos ou políticos e sempre dando o ponto visto dos vários lados, Howard Jacobson faz uma profunda reflexão sobre as causas judaicas tanto passadas como futuras. A Questão Finkler bem se podia chamar As Questões do Judaísmo.
ReplyDeleteGostei bastante do livro.
@ Tiago:Ora nem mais. Essa é a questão de Finkler. E de muitos judeus. Ser ou não ser. Um abraço :)
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