Saturday, April 16, 2011

Diário do LeV


"Proponho-vos o seguinte exercício", atira Rui Zink, a meio da sua intervenção na primeira mesa do Literatura em Viagem (LeV), dedicada ao tema Viajo para disciplinar o raciocínio. "Uma noite, antes de se deitarem, tentem imaginar o dia de amanhã". Parecia uma proposta simples, mas não era. Tinha truque. Uma revelação escondida. Porque, na verdade, o que o autor de Hotel Lusitânia pedia não era uma projecção feita a olhar para a agenda. Antes um “imaginar o que normalmente não se imagina”. O exercício inverso deveria ser repetido numa manhã, não necessariamente a seguinte. “Tentem recordar o dia de ontem”.

Com este duplo jogo, afiança Rui Zink, rapidamente se perceberá que tanto num caso como noutro o que está em causa é sempre a imaginação. “Porque o que num dia pensamos ser memória (ontem) é afinal reconstrução e o que noutro acreditamos ser imaginação (amanhã) é apenas conhecimento”. É por isso que o escritor defende que “a melhor viagem é a interior, aquela que fazemos dentro de nós”. Se depois empreendemos andanças físicas, é porque “para regressar precisamos de partir”. E em qualquer desta viagens o mais importante são as pessoas, o olhar, este pêndulo entre a memória e a projecção.

A noção de viagem mais acção, apresentada por Rui Zink e retirada da mesma palavra (Vi – Ajo), marcou as intervenções da primeira mesa. José Ricardo Nunes lembrou a viagem mais aterradora que conhece, aquela que o semi-heterónimo de Fernando Pessoa, Bernardo Soares, faz no eléctrico. Também aqui, no embate com o exterior, tudo é essencialmente interior. Os mundos percorridos pelos carris são ao mesmo tempo físicos e insondáveis. João Lopes Marques revelou a sua preferência por não-lugares e territórios de estranheza quando a escrita chama por si. “Não consigo escrever em casa”, disse. E, por isso, faz da viagem um modo de vida, tendo fixado residência na Letónia. O seu novo romance, Iberiana, é o resultado dessa inquietação, ligando duas pontas da Europa: País Basco e Geórgia.

Para o brasileiro Marcelo Ferroni, a acção faz-se no escritório, embora seja igualmente agitada. É daqueles que se define como um “viajante sedentário”. Quando era adolescente, sonhava dar a volta ao mundo. Passou muitos anos a juntar dinheiro para a realizar. Mas quando finalmente olhou com entusiasmo para a conta bancária, decidiu: o melhor é ir para Paris e ficar lá seis meses. A viagem fez à volta do quarto. O que também aconteceu com a biografia imaginária que fez de Che Guevera. Para escrever Método Prático de Guerrilha, pensou em muitas viagens e em muitos destinos. “Como bom sendentário”, brincou o escritor e editor da Objectiva, “à medida que me desliguei dos livros que serviram de base à minha investigação, abandonei também a ideia da viagem”. No fim, acabou por encontrar e descrever uma Bolívia feita citações. E garantiu: “Este é um livro de viagens a um país imaginário”.

Opção contrária tem Miguel Carvalho, que luta por manter o que de melhor há no jornalismo: “Reproduzir os cheiros e as sensações do terreno”. Contra o “noticiário fast-food”, o grande-repórter da Visão propõe a filosofia que alimentou gerações de jornalistas: “O jornalismo pode não mudar o mundo, mas devemos continuar a escrevê-lo como se isso fosse possível”.



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