Sunday, April 3, 2011

Diário da Madeira 70

"Há muitas formas de se maltratar um escritor. Eu escolhi a da poncha". Em Roma, ser romano. E Pedro Vieira não se fez rogado durante os dias que passou no Funchal e no Festival Literário da Madeira. Aproveitou os prazeres da região, a gastronomia, as bebidas, o tempo, tudo. Mas nada disso o impediu de tartar bem a sua intervenção na Mesa 5. Com humor e ironia e seguindo o guião proposto, adiantou um conjunto de livros e autores que, em seu entender, foram ou continuam a ser muito maltratados. Para abrir as hostilidades, escolheu aquele que melhor define a sua própria vocação literária: Brendan Behan. Porquê? Veja-se a forma como se apresentava: "Sou um alcoólico com um problema de escrita". E maltartado foi este escritor irlandês, pois uma das suas melhores obras, Nova Iorque, uma homenagem à cidade que nunca dorme, só foi publicada em Portugal 46 anos depois da sua morte". Para reparar injustiças, mais vale tarde do que nunca. Neste caso, porém, levou demasiado tempo.
A sua lista incluía outros casos igualmente curiosos: Margarida Rebelo Pinto, por ser o "saco de boxe da crítica portuguesa e do país da inveja"; Marx e o seu Manifesto; Howard Jacobson, o vencedor do Booker Prize de 2010, "que por ser judeu mais cedo ou mais tarde será maltratado", Céline e as suas viagens ao outro lado da ideologia e Diego Maradona e a sua trágica autobiografia.
De maltratos sabe Mário Zambujal ou não tivesse sentido na pela incómodos semelhantes. E já a caminho do Festival Literário da Madeira. Em Lisboa, apanhou um táxi para ir para o aeroporto. Teve sorte, porque o condutor era simpático e sabia de livros. Falaram e falaram, até que este lhe disse: "Gosto muito do seu romance, aquele, como é que se chama, ah, A Balada da Praia dos Cães...". Bom malandro, Mário de Zambujal não disse nada, mas sempre pensou que também gosta muito desse livro do José Cardoso Pires...
Falando do caso da Madeira, Graça Alves referiu-se ao maltrato que as ilhas provocam. Citando Fernando Namora, disse: "O mar é muito bonito, mas também é um cerco." A solução, para o seu caso, como para os adiantados pelos outros oradores, é pensar como Mia Couto, que num verso escreve: "Nenhuma palavra alcança o mundo /eu sei, mas mesmo assim escrevo".

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