Saturday, April 2, 2011

Diário da Madeira 28


Será uma questão de ego, de feitio ou de marketing? É difícil dizer por que razão fogem os escritores da fama, mas foi a essa tarefa que se entregaram José Mário Silva, Patrícia Portela, Rui Zink e Rui Faria Nepomuceno, os oradores da primeira mesa do Festival Literário da Madeira, moderada por Miguel Albuquerque. O que une Herberto Helder, Manuel Tiago, Rubem Fonseca e outros escritores? É difícil de responder, mas mesmo assim as aproximações foram muitas.
Para resolver o dilema, Rui Zink descreveu o seguinte cenário: dois escritores, um leitor. Os primeiros não sabem o que o segundo está a ler. E sofrem por isso. Vivem de invejas mútuas. O escritor que vende pouco, e que obviamente foge da fama, lamenta as grandes tiragens do escritor que vende muito, já para não falar da sua facilidade de expressão e beleza física. Este, contudo, também não vive na tranquilidade. É diariamente atormentado por fantasmas. Apesar de vender muito, de aparecer em todo o lado e de ter fãs atrás de si nos mais inesperados lugares, não deixa de sonhar um dia vir a ter a mesma profundidade do escritor que vende pouco e que só é careca porque pensa muito. Além disso, também ambiciona que cada palavra seja um golpe na linguagem, uma ferida que se abre e não tem cura. "Qual dois dois está a ler, então, o leitor?", questionou-se Rui Zink, para depois acrescentar: "Pouco importa, porque o que importa é o livro, o que se escreve e não quem o escreve".
Nesta ideia pegou José Mário Silva, para falar daquele que é provavelmente o menos famoso dos escritor que foge fama: Aurelino Sousa Gomes. E o mais curioso é que a fama é o seu tema literário de eleição. Pena que nunca tenha escrito uma frase, nem publicado um livro. Mas nada disso lhe tira valor, garantiu José Mário Silva. "Ele apenas pertence àquela categoria dos 'escritor do não' que Enrique Vila-Matas descreve em Bartleby & Co". Quando ele foi internado no Hospital, por causa de uns quantos membros partidos e engessados, foram várias as conversas que tiveram. E em todas, Aurelino foi peremptório: "Os escritores que fogem da fama só o fazem para se tornarem famoso".
Será? Patrícia Portela tem dúvidas. Agora que está a entrar no mundo da literatura ainda não sabe se é mesmo assim. A questão talvez possa estar mais nas ligações e confusões que se estabelecem entre imagem e fama. Quem vem das artes performativas não tem dessas preocupações, porque está sempre a representar personagens. Por isso, nunca leu um livro a pensar no autor, nem levou muito a fundo a curiosidade que às vezes sente pelas suas vidas. E concluiu: "Se não aparecem, é porque não têm feitio".
Em relação a este ponto, a filha do escritor brasileiro Rubem Fonseca, presente no Festival, não podia estar mais de acordo. "O meu pai é verdadeiramente o escritor que eu conheço que mais foge da fama", confessou. "No entanto, gosta de andar pelas ruas, observar as pessoas e ver o que se está a passar". Contradição? Nada disso. "Para Rubem Fonseca, o escritor tem de ver sem ser visto", disse-nos. Que é como quem diz, para o "livro aparecer, o autor tem de se esconder".
Será? Ninguém sabe.

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