Tuesday, March 15, 2011

Os limites do amor

De um lado, o presente, do outro, o passado. De outrora, a paixão avassaladora entre Robert e Elizabeth Barrett Browning. De agora, o encontro entre dois investigadores, inesperadamente disponíveis para amar. Assim se tece a malha do primeiro romance de Maria João Martins, 43 anos, que é lançado hoje, às 18 e 30, na Fnac Chiado, e que não é alheio à sua profissão de jornalista, no Diário de Lisboa, no Sete e há mais de 20 anos no JL. Na sua escrita está impregnado o vício das perguntas e nesta história de dois tempos interessou-lhe perceber até onde estamos dispostos a viver um amor ou qual o limite da nossa entrega ao outro. À semelhança da novela Escola de Validos, que lançou em 2007, ou dos ensaios O Paraíso Triste e Divas, Santas e Demónios, Como o Ar Que Respiras (Porto Editora) é uma indagação da vida e da liberdade individual.

Jornal de Letras: Este romance é o resultado do seu interesse pela relação amorosa e literária entre Robert e Elizabeth Barrett Browning?
Maria João Martins: Em parte, sim. O caráter absolutamente extraordinário desta história (verídica) de amor e literatura atingiu-me em plena adolescência, a idade em que estamos mais disponíveis para acreditar na força transformadora da paixão. Havia lá em casa um livro das Seleções do Reader’s Digest que compilava várias biografias célebres e, entre a Madame Curie e Winston Churchill, lá estavam os Browning. Deixei de ler compilações dessas mas nunca esqueci a paixão nascida da própria luz irradiada pelas palavras de um e de outro. Quando decidi escrever um romance de amor (depois de ter escrito uma novela sobre o poder e o desamor, Escola de Validos, editada pela Teorema de 2007), os Browning e a sua belíssima produção literária ressurgiram naturalmente.

Foi essa paixão avassaladora que a conduziu na história de Angie e Gabriel?
Como jornalista, tenho o vício das perguntas. O que me conduziu na história de Angie e Gabriel, o casal deste romance que vive na atualidade, foi, antes de mais, a necessidade de perguntar a mim mesma e aos leitores se ainda seremos capazes de viver até ao limite um amor desta dimensão, em que a entrega ao outro é incondicional e irreversível.

Este parece também ser um romance sobre a liberdade pessoal. Concorda?
Sem dúvida. A Elizabeth B. Browning o amor de Robert trouxe também a libertação face a uma realidade familiar patologicamente opressiva, mesmo para o modelo de sociedade vitoriana. O que resta saber (e essa é outra das questões levantadas pelo romance) é se na nossa sociedade, tão livre na aparência, o amor pode desempenhar algum papel na libertação do indivíduo.

É possível encontrar paralelos entre a época vitoriana e a atualidade, os dois tempos do romance?
George Steiner tem um ensaio brilhante sobre as diferenças entre a nossa época e a dos vitorianos e John Fowles dedicou ao tema um romance brilhante: A Amante do Tenente Francês. Creio que nos opõe aos vitorianos uma outra forma de viver o tempo, muito mais acelerada, que condiciona o pensar e o sentir (e segundo Steiner nos torna muito mais dispersivos e incapazes de obras de grande dimensão). Mas também creio que, em matéria de amores, continuamos a ser os herdeiros do modelo romântico oitocentista, com os seus dramas de dimensão operática. Somos nostálgicos de um absoluto que tende a fugir-nos.

E entre a personagem principal e a autora?
Há de comum todo um imaginário de geração. Cresci nos anos 80, a ver séries de televisão inglesas (A Família Bellamy, Reviver o Passado em Brideshead, Amor em Clima Frio ou coisas bem mais cómicas como Fawlty Towers), a ouvir música anglo-americana (amplamente referida no livro), a ler livros de autores britânicos como as irmãs Brontë, Thomas Hardy ou Somerset Maugham. Era a janela possível para uma adolescência remediada, nos arredores de Lisboa, em plena época do governo Bloco Central.

Depois da Lisboa do Padre António Vieira, a Londres do romantismo inglês. História e ficção cruzam-se na sua escrita?
História, Jornalismo, Geografia, os filmes que vejo, as viagens que faço. De tudo isso se vai fazendo as histórias que escrevo.

Entrevista (que respeita o novo acordo ortográfico) publicada no JL 1052, de 26 de Janeiro de 2011.

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