Friday, February 25, 2011

Diário das Correntes LXXX




Foi uma espécie de história do ovo e da galinha, só que não havia galinha e os ovos só chegaram muitos anos depois. Quando tinha dois anos, apenas dois anos, sublinhe-se, David Machado inventou uma galinha. Não uma galinha qualquer, refira-se, uma galinha imaginária. Daquelas que só as crianças sabem inventar. "Para a minha família era um estorvo", explicou o escritor durante a Mesa 7 das Correntes, dedicada ao tema A obra que faço é minha. "Havia um animal lá em casa e só eu o via". O problema não seria de maior se a dita galinha não estivesse sempre em cima de todas as cadeiras e de todos os sófas. Além disso, o pequeno David andava constantemente com o braço direito curvado. "Era da galinha. Eu andava com ela de um lado para o outro". Preocupados, os pais conceberam um plano. Um dia, numa paragem do autocarro, disseram: "Olha filho, a galinha não pode entrar neste autocarro". E suspenderam a respiração, à espera de uma reacção. Sem demoras, David Machado baixou-se e libertou a galinha, deixando-a ao pé do passeio. E nunca mais a viu. Hoje vê nesta história uma metáfora da sua vocação literária. "A galinha são os meus livros e os leitores os meus pais", afirmou. "As palavras são invenção minha, mas só fazem sentido se derem início a um diálogo. A um diálogo com quem lê". Com quem encontrar a galinha.


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1 comment:

  1. E eu, como pai, embora pense que sempre tenha apoiado o David nas suas decisões/opções ao longo da vida, se tivesse conseguido antever a qualidade de escrita do David, talvez tivesse optado por construir uma capoeira.

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