Ricardo Menéndez Salmón não consegui ficar calado ou sem responder à manipulação que o governo de Aznar fez dos atentados terroristas de 11 de Março. Quando já muitas provas apontavam para uma acção de grupos islâmicos, o executivo espanhol veiculou a informação que se tratava de uma iniciativa da ETA. Para Aznar e para o PP, foi o princípio do fim, já que perderiam as eleições de dia 14 do mesmo mês. Mas para Menéndez Salmón foi um limite que se ultrapassou e que ninguém pode deixar de denunciar.
"Não podemos ficar indiferentes a essa lógica do poder que procura introduzir discursos paralelos na realidade", afirmou o escritor espanhol, na primeira sessão de lançamentos de livros das Correntes d'Escritas, que antecedeu a abertura oficial do encontro, marcada para amanhã, quarta-feira, 23, às 11 horas. Revisão, o romance que acaba de ser publicado pela Porto Editora, é a resposta a essa indignação. E, nele, autor e personagem confundem-se, não porque sejam a mesma pessoa (reinventada pela ficção), mas porque Salmón quis imprimir a esta história uma forte vertente cívica. "É um livro visceral, ao mesmo tempo emocional e cerebral", descreveu. "E não tive medo de vincar o que eu próprio penso sobre o assunto".
No dia do atentado de 11 de Março, um revisor está a trabalhar numa nova edição de Os Demónios, de Dostoievski. Mas o seu dia - como o de tantos espanhóis - é fortemente abalado pelos acontecimentos de Madrid. Sucedem-se imagens, declarações e comunicados de imprensa do governo, que a televisão vai dando conta. Mas o revisor saberá desmontar o discurso criado por Aznar e seus assessores. Nesse sentido, a ideia de correcção surge como "metáfora" do que se passou, na medida em que cabe a todos - incluindo aos escritores - a tarefa de rever o texto que os políticos vão escrevendo, não permitindo a vitória da manipulação sobre a verdade.
Foi uma intervenção mais política do que literária, a que Ricardo Menéndez Salmón realizou nesta sessão de lançamento, confirmando a sua apetência para o ensaio, que não é alheio à sua ficção. Aliás, a trilogia do mal, que Revisor encerra e que inclui ainda A Ofensa e a Derroca, está cheia de reflexões sobre a História do século XX e sobre os desafios que a Europa tem pela frente, nomeadamente perante o abismo da desrazão.
Também atento à política está o novo romance de Miguel Miranda, Dai-lhes, Senhor, O Eterno Repouso (Porto Editora), apresentado na mesma sessão. Apesar da estrutura de policial, esta é uma história que ultrapassa as fronteiras do género. O detective Mário França, na sua terceira missão, tem pela frente mais um caso impossível de resolver. Desta vez, relacionado com o terrorismo internacional e as máfias de leste, mas também com o Portugal de brando costumes e atrasos constantes. É, pois, nas palavras do próprio escritor, uma "gastronomia literária, que mistura ingredientes de ficção e realidade", não deixando de captar o tempo em que vivemos.
A sessão ficou completa com os lançamentos de O Livro da Avó, de Luís Silva (Afrontamento), aqui na sua terceira edição (em formato para coleccionadores); Fatalidades Modificáveis & Adágios do Sr. Vital, de Mário Sousa Pinheiro, que continua a vir à Póvoa de Varzim mostrar os seus poemas em edição de autor, como fez em 2008; e Animal de Regresso, mais uma recolha de poemas do histórico das Correntes Ivo Machado (Êxodus), que participa desde a primeira edição.
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