Tuesday, November 29, 2011

Monday, November 28, 2011

Nigel Cliff: lições do passado


Vasco da Gama perante o Samorim de Calecute, pintura de Veloso Salgado

Ao fim de três anos de investigação, o escritor inglês Nigel Cliff, nascido em Manchester, em 1969, não tem dúvidas: Vasco da Gama é uma das figuras mais importantes da história mundial. E se o retrato que dele podemos pintar nem sempre é carregado de cores luminosas, a influência que teve nos destinos cruzados do Cristianismo e do Islamismo é enorme. Para o bem e para o mal. Foi esta a intuição que levou Nigel Cliff a embarcar numa viagem pela História, com o objetivo de compreender o presente. Por que razão as guerras ainda são santas e de onde é que elas vêm?, eis a sua dúvida. O resultado é Guerra Santa um livro, com a chancela da Texto Editora, dirigido maioritariamente a um público anglo-saxónico, mas que, pela tentativa de compreender o mundo em que vivemos, não deixará de surpreender os leitores portugueses.

O que o levou a empreender esta viagem pela História na companhia de Vasco da Gama?
Sempre me senti atraído pelos Descobrimentos, não só por ser uma narrativa potencialmente rica, mas também por o comportamento dos exploradores junto de culturas desconhecidas revelar muito sobre eles enquanto indivíduos e sobre as sociedades de onde provinham. Mesmo hoje, os viajantes experimentam essa espécie de claridade através da desorientação. Eu próprio já o senti, daí o fascinio por imaginar o que teria sido uma viagem nessa época. Vasco da Gama também desperta a minha atenção há muito tempo porque me intriga que, para um anglo-saxónico, o seu nome seja muito mais familiar do que o seu feito. Quando falo de Vasco da Gama é normal perguntarem-me o que fez. Comecei a pensar se não haveria uma forma de divulgar a sua vida a um público mais vasto. Por último, como muitas pessoas, a erupção da Guerra Santa nas nossas vidas, com os ataques terroristas de Nova Iorque, Madrid e Londres, não me foi indiferente. Li muito sobre a história conjunta do Cristianismo e do Islão, sobretudo para tentar perceber de que forma o Ocidente foi, correta ou incorretamente, percecionado pelos muçulmanos. Gradualmente, esses pensamentos juntaram-se e a Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia de Vasco da Gama afigurou-se-me como um ponto de viragem decisivo nas relações entre Oriente e Ocidente.

Os leitores portugueses encontram aqui uma imagem muito diferente do Vasco da Gama que já conhecem?
Claro que sim. Até porque há pouca informação direta sobre Vasco da Gama e é impossível acedermos aos seus pensamentos e crenças. Temos de deduzir a sua personalidade pelas suas ações. Espero ter construído um retrato persuasivo de um homem ambicioso e determinado. Sempre leal ao seu rei mas rápido a aprender com a experiência. Amado pelos seus homens mas pronto para ser implacável. No entanto, alguns atos podem ser menos conhecidos dos leitores portugueses.

Por exemplo?
A minha editora portuguesa disse-me que nunca tinha ouvido falar de um episódio da sua segunda viagem à Índia em que Vasco da Gama deu ordens para abater um navio cheio de peregrinos muçulmanos. A determinação de D. Manuel em selar uma aliança com um rei cristão que os portugueses acreditavam que dominava grande parte do Oriente, para assim expulsarem os muçulmanos de África e limparem o caminho para a reconquista de Jerusalém, também pode ser surpreendente para alguns. Por estas razões, quis contar a história completa dos Descobrimentos portugueses, no sentido em que foram o prelúdio para o que acontece nas décadas - e poderíamos dizer séculos - que se seguiram. Os europeus andavam, desde o tempo das cruzadas, à procura de diminuir os seguidores do Islão em todas as zonas conhecidas do mundo. Vasco da Gama nunca teve essa missão, mas a sua descoberta marca o início da permanente presença europeia na Ásia, com todas as suas consequências. O retrato deste livro pode ser negro, mas é seguramente muito mais decisivo para a história mundial do que os portugueses poderiam supor.

Estamos habituados a vê-lo como alguém que ligou continentes e culturas, em nome de Deus, claro. Mas terá dividido mais do que uniu?
O seu maior feito foi possibilitar aos europeus contornar o mundo islâmico e estabelecerem-se na África Oriental e na Ásia. Depois de ter passado três anos na companhia de Vasco da Gama, estou profundamente admirado com a sua audácia e coragem. Mas é igualmente importante sublinhar a fé que levou consigo. Ele viajou em nome de Cristo, sob a proteção de Roma. Tinha instruções para negociar alianças com os governantes que acreditasse serem cristãos e para subjugar os outros. De início, pensou que os hindus eram cristãos desobedientes, mas quando descobriu a verdade a mentalidade do “connosco ou contra nós” veio ao de cima. Claro que não se pode esquecer que a conflituosa história da presença Ocidental em África e na Ásia não pode ser atribuída a um único homem ou país. Mas a persistente noção de que os asiáticos e os africanos deviam ser civilizados, convertidos, escravizados ou eliminados parece-me ter origem na visão do mundo que Vasco da Gama explorou.

Interpretar mal o passado ou esquecer as suas lições é uma das razões dos problemas que estamos a viver hoje?
A História, diz-se muitas vezes, é escrita pelos vencedores. Mas nenhuma nação, região ou crença pode esperar ter uma supremacia eterna. Ao ver como o Oriente se levanta outra vez e coloca novos desafios ao nosso estilo de vida, é importante entender a história que partilhamos, especialmente os motivos que levaram o cristianismo a tornar-se uma força mundial predominante. Contudo, não sou relativista: a democracia, a liberdade de expressão e os direitos humanos são grandes conquistas do Ocidente que pertencem a todos. Mas se olharmos para o passado, são conceitos recentes e ausentes na Época dos Descobrimentos. E uma coisa é defender o nosso estilo de vida, outra acreditar que é o único possível. Isso seria uma reminiscência da intransigência de Vasco da Gama e de outros exploradores. Se não resultou na altura, agora também não.

Como podemos acabar com a ideia de Guerra Santa?
Quem me dera ter uma resposta! Digo apenas que tirei duas conclusões deste livro. Compreender o Outro é o primeiro passo para se estabelecer um diálogo produtivo e criar um caminho com futuro. E qualquer tentativa de promover uma Guerra Santa - combater em nome de uma crença religiosa - acaba sempre em desastre. Por outras palavras, a ideia de instituir uma ordem perfeita, universal e duradoura seria terrivelmente assustadora se não fosse completamente absurda.














Nigel Cliff
GUERRA SANTA
Tradução de Maria João Goucha
Texto Editora, 600 pp, 29,95 euros

Entrevista publicada, que já segue o novo acordo ortográfico, no JL 1073, de 16 de novembro de 2011.

Sunday, November 27, 2011

Home

"Going back will be different from going away, even though the road is the same, the road that leads from home and back home."

Gudbergur Bergsson, in The Swan

Saturday, November 26, 2011

Portugal

Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir 

como se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo uma mentira que 

o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electrochoques e está a recuperar
aparte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do
Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr uma pérola que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentugal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade
Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete Salazar estava no poder nada de ressentimentos
Um dia bebi vinagre nada de ressentimentos
Portugal depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas a nado na piscina municipal de Braga

ia agora propor-te um projecto eminentemente nacional
Que fôssemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou
Portugal

Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca



Jorge Sousa Braga, in De manhã vamos todos acordar com uma pérola no cu

Wednesday, November 23, 2011

A suave delicadeza dos (des)encontros segundo David Foenkinos



É palavra de mil subtilezas, doces carícias e suaves encantos. A delicadeza - dos gestos, das falas, das sensações - seduz qualquer um. E ao seu feitiço não foi indiferente David Foenkinos, que se deixou inebriar ao ponto de fazer dela o tema do seu último romance. É a partir da delicadeza que o escritor francês traça o contorno das personagens e as coloca em ação, numa história de amores e desamores, alegrias e tragédias, encontros e desencontros. De França, por e-mail, Foenkinos respondeu às perguntas que o lhe enviámos, a começar por esta:

O que é, para si, a delicadeza?Uma forma de ouvir o outro. De prestar atenção àquilo que ele diz.

É uma qualidade humana que o seduz particularmente?
Sim, é muito importante. O ouvido é a chave de qualquer relação.

E quando percebeu que a delicadeza podia ser o centro de um romance?
Quando reparei que o mundo andava demasiado depressa, ou era demasiado brutal, e que era necessário abrandar até à doçura.

[Talvez seja essa a angústia de Nathalie. A viver uma relação perfeita, sem tristezas nem lamúrias, ela vê-se atirada para um vórtice de emoções. De um momento para o outro, tudo passa a andar rápido demais. Depois de sair para correr, o seu marido sofre um acidente mortal. Deixa-a sozinha, entregue à velocidade do sofrimento e ao insuportável peso da dor que se instalou no seu corpo. "Abrandar até à doçura" é o caminho que tem pela frente, para assim conseguir reconstruir a vida, perspetivar o futuro e equacionar a hipótese de um novo encontro.]

Uma vez focado na delicadeza, qual foi depois o ponto de partida desta história?
Um homem chega mesmo no bom momento na vida de uma mulher. Porque este é um livro sobre a ideia de que, no amor, o que conta é o bom momento do encontro.

Parece ser também uma história sobre o amor depois do amor (ou da felicidade depois da felicidade). Concorda?
É uma história sobre um amor que acreditamos estar morto e que se regenera de uma forma incessante.

E sobre a ausência de razão no sentimento...
Exatamente! Não decidimos nada no amor, pois é o nosso corpo que decide!

[Escutar o corpo, ouvir a mente. Nathalie reaprenderá, aos poucos, estas básicas leis da sobrevivência e do instinto. Sair da escuridão em que se enfiou depois da morte do marido e regressar à vida, às relações, à rua, ao trabalho. Sobretudo ao trabalho, onde pode entregar-se às suas rotinas, sem se preocupar com decisões íntimas ou com consequências pessoais. Será na opacidade dos espaços empresariais, neste caso numa sucursal francesa do IKEA, que Nathalie avançará por fragmentos de um discurso amoroso, surpreendendo e surpreendendo-se.]

Por que razão escolheu um local de trabalho para cenário deste romance?
Queria que o livro se desenrolasse num ambiente depressivo... E uma empresa pareceu-me o ideal!

A tensão que estes espaços emanam não é muito abordada na literatura. Foi um desafio?
O mundo da empresa é o mundo do olhar. Toda a gente se espia constantemente. É como um país em tempo de guerra. Há alianças, conspirações...

[De alianças e conspirações teriam muito a dizer Nathalie e Markus, que entre corredores e secretárias, dossiers e reuniões, encontraram os seus respetivos bons momentos. A delicadeza, entre os dois, começará, mesmo que nenhum deles saiba para onde se dirige. E sem que disso se apercebam, os dois serão transformados em personagens de um teatro cuja plateia é o escritório em que trabalham. Como dois polos opostos, Nathalie e Markus usam a energia que os rodeia para inevitavelmente se atraírem.]

Como desenhou as duas personagens principais? Partiu de algumas imagens ou ideias concretas?
Alguns disseram-me que era um pouco "a bela e o monstro". Eu queria que o casal fosse muito bizarro ao princípio e perfeitamente evidente no fim.

A originalidade é um dos talentos de Markus (e uma das angústias de Charles, o seu patrão e o de Nathalie também). Qual o seu segredo?
O Markus tem sobretudo humor e isso é o essencial.

[Um homem encontra uma mulher. Uma mulher encontra um homem. Os dois encontram-se. Há séculos que a Humanidade revisita este tema, sem que por isso deixe de nos cativar. Parece que cada história particular é suficiente universal para tocar em leitores de proveniências muito distintas. Mas não é pela imaginação ou subtileza que Foenkinos nos prende nesta história. É pelo seu narrador, que conta e comenta, descreve e intui, julga e absolve. É uma voz forte, que nos acompanha do início ao fim, muito mais do que as personagens, tão imersas que estão nos seus dramas afetivos.]

Criar um narrador com uma voz forte foi algo que o preocupou?
O escritor deve sempre estar lá, mas sem tornar o texto mais pesado. Eu levo as minhas personagens pela mão. E vivo com elas. Gostaria muito de ser o Markus quando ele beija a Nathalie.

E em relação à forma através da qual essa voz se expressa (umas vezes em longos capítulos narrativos, outras em pequenos apontamentos ou curiosidades): o que procurou com estas mudanças de ritmo?
É como uma respiração. E depois, se não se gosta do livro, pelo menos aprende-se muitas coisas! Até há receitas em A Delicadeza!

No entanto, nem sempre é fácil identificar uma lógica nesses capítulos curtos.
Alguns têm um grande interesse para o livro, outros são apenas leves e permitem-nos aprender pequenas coisas sobre artistas.

[A solução é entrar no jogo e aproveitar essas pausas para recordar o que se leu e supor o que se seguirá. Alguns apontamentos, de facto, pouco acrescentam e, em certos casos, são inclusivamente de duvidosa utilidade. Mas outros abrem pequenas janelas dentro do livro, como aqueles pintores renascentistas que pintavam quadros dentro dos quadros ou aqueles escritores meta-literários que nos deixam a pensar em livros e autores que não existem. Caberá ao leitor decidir se vai a jogo e se aprecia a sua aparente ausência de regras. Porque tudo é feito tendo em vista o seu conforto. A começar pelo humor, que atravessa o livro como uma linha que ata os personagens e os capítulos.]

Procurou intencionalmente esse registo humorístico?
Sim! Quero que o leitor tenha prazer. É uma história séria e triste, mas quis tratá-la com humor.

Que livros o fizeram rir nos últimos tempos?
Gosto de livros divertidos, como os de Albert Cohen.

[A literatura e a música são as marcas do percurso de David Foenkinos, que nasceu em Paris, em 1974. Ao mesmo tempo que estudava na Sorbonne, completava a sua formação em jazz. Talvez seja essa a razão por que muda tanto de registo literário, assim como quem muda de instrumento. Estreou-se, em 2001, com Inversion de L'idiotie, logo distinguido com o Prémio François Mauriac, e nos últimos anos publicou romances, guiões para cinema, peças de teatro e bandas desenhadas. É caso para perguntar se:]

A música e a literatura são campos que se cruzam?
Deixei a música para escrever, e ainda bem para os vossos ouvidos.

E o que o levou a ser escritor? Ou, recorrendo à pergunta clássica, por que escreve?
Era a melhor forma de me exprimir. E de seduzir.

O que está a escrever?
Neste momento, tenho um livro que vai ser lançado em França que se intitula Les Souvenirs. E adaptei A Delicadeza ao cinema [com o seu irmão, Stéphane Foenkinos], com Audrey Tatuou como atriz principal. Estreia em França, em dezembro. Espero que depois chegue a Portugal.














David Foenkinos
A DELICADEZA
Tradução de Catarina Almeida
Presença, 232 pp, 14,90 euros

Entrevista publicada no site do JL


Tuesday, November 22, 2011


Há poemas na Avenida da Liberdade, em Lisboa. Hoje e nos próximos meses, no Teatro Tivoli. Avenida de Poemas parte do princípio que "há poemas que nos salvam. Há poemas que nos ajudam a sobreviver. Há poemas que nos ensinam a respirar. E outros que nos ensinam a cair". 

Em cada sessão, um convidados, às vezes distante do mundo literário, será desafiado a falar dos seus poemas e a revelar um lado provavelmente menos conhecido da sua personalidade. O ciclo mensal de encontros arranca esta noite, às 21 e 30, com Pilar de Río e também pode ser acompanhado ao vivo no site do jornal Expresso, no blogue da Avenida de Poemas, que regularmente terá novidades sobre esta iniciativa promovida por Raquel Marinho e José Mário Silva.

Monday, November 21, 2011

Andrei Tarkovski

Andrei Tarkovski, Auto-retrato integrado na exposição Luz Instantânea,
patente no CCB até 4 de Dezembro